Karoline Tortoro Barros
Mestranda em direito pela Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP
Sumário: 1. Introdução. 2. Preâmbulo Constitucional. 3. O papel da interpretação e da hermenêutica. 4. A interpretação constitucional e a desconformidade com a realidade social. 5. O Estado Democrático de Direito. 6. A denominada Ação Popular. 7. Participação cidadã: a problemática prova da cidadania frente à Ação Popular. 8. Conclusão. 9. Bibliografia.
Resumo
Há várias modalidades de exercício da cidadania no horizonte de concreção do fenômeno jurídico. Porém, a Ação Popular é a única que pode ser utilizada por qualquer cidadão na busca de tutelar e incentivar a defesa de bens pertencentes à coletividade. Ocorre que o Poder Público vem entendendo que ser cidadão, na esfera de legitimidade ativa para essa ação, seria somente aquele que porta o título de eleitor. Nesse contexto, o presente trabalho vem abordar se o título de eleitor torna alguém mais cidadão do que quem não tenha referido documento, e se quem não tenha, não estaria legitimado frente à estrutura constitucional brasileira.
Resumen
Hay varias modalidades de ejercicio de la ciudadanía en el horizonte del fonómeno jurídico. Pero, la Acción Popular es la única que se puede utilizarse por cualquier ciudadano en la busqueda de se tutelar e incentivar la defensa de biens pertencentes a la colectividad. Ocure que el Poder Público vien entendiendo que el ciudadano en la esfera de la legitimidad activa para esa acción seria solamente aquel que puerta el título de elector. En este contexto el presente trabajo vien abordar se el título de elector vuelve alguien más ciudadano de que quien no tenga referido documento, y se quien no lo tenga, no se estaria legitimado frente a la estructura constitucional brasileña.
Palavras-chave: Direito Processual Coletivo – Ação Popular – Cidadão – Jurisdição Constitucional.
1. Introdução
É comum a afirmação de que o cidadão deve não somente participar de forma decisiva no processo de formação da norma, como também, resistir à concreção de um fenômeno jurídico capaz de gerar uma injustiça a partir de uma ontologia hermenêutica.
É o que se encontra disposto logo no preâmbulo da Constituição Federal Brasileira: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Algumas questões, porém, devem ser abordadas antes de adentra-se ao estudo das modalidades de participação cidadã no modelo Brasileiro.
Primeiramente, instituiu-se no país pela Assembléia Nacional Constituinte, um Estado Democrático de Direito. Indaga-se: o que é um Estado Democrático de Direito? Quem autorizou uma Assembléia a instituir a Constituição tal como está disposta hoje?
Depois, se esse denominado Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, não o estiver cumprindo, que “armas” têm o cidadão para enfrentá-lo?
Por último, uma pergunta curiosa, que a primeira vista parece simples, depois mostra-se controvertida, é quanto a quem é esse cidadão?
Esses questionamentos serão abordados e enfrentados neste trabalho que ao final tem como escopo, conferir a todos os brasileiros o título de cidadão.
2. Preâmbulo Constitucional
É de grande valia o estudo do preâmbulo da Constituição Federal Brasileira para a fixação de seu valor fundamental.
Como bem colocado por Moraes, o preâmbulo de uma Constituição pode ser definido como documento de intenções do diploma, e consiste em uma certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma proclamação de princípios, demonstrando a ruptura com o ordenamento constitucional anterior e o surgimento jurídico de um novo Estado.
Assim, apesar de não fazer parte do texto constitucional propriamente dito, não apresentando valor jurídico autônomo, não é o mesmo irrelevante uma vez que deve ser observado como elemento de interpretação e integração dos diversos artigos que lhe seguem.
Essa posição não é unívoca na doutrina, havendo vozes em contrário como Ferreira, que em sua obra aponta Lafferrière, Roger Pinto, Burdeau, Schimitt, Nawiaski, Paolo Biscaretti di Ruffia e Giese, seguindo-o.
Porém, de tão fundamental importância a sua existência no texto constitucional, o preâmbulo é adotado por vários países, como bem mencionado por Miranda, Estados Unidos, Suíça, Alemanha de Weimar, Irlanda, França, Japão, Grécia, Espanha, Peru, antiga Alemanha Ocidental, Alemanha Ocidental, Polônia, Bulgária, Romênia, Cuba, Nicarágua, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde.
Cabe ressaltar neste momento que o preâmbulo, de suma importância, como já analisado, dispõe que uma de suas destinações é assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais no Brasil. Sendo assim, não há porque restringir “ser cidadão” a certos requisitos, para seu meio de defesa constitucionalmente assegurado, que se concretiza por meio da Ação Popular, como melhor será explicitado a seguir.
Se o preâmbulo de uma Constituição, portanto, pode ser definido como documento de intenções do diploma, certamente que não se restringiu em nenhum momento a participação do cidadão na defesa contra o Estado, ademais, se o mesmo consiste em uma certidão de origem e legitimidade do novo texto e uma proclamação de princípios, resta claro que se restringida por qualquer meio, não será legítima ou recepcionado pelo sistema.
3. O papel da interpretação e da hermenêutica
É de fundamental importância nesse momento estudar-se a linguagem, pois é através de seu uso que se exprime o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto, o poder e o não poder. Sem o domínio da linguagem o sistema jurídico tende a cair na obscuridade, sendo incongruente com a realidade, tornando sua aplicação duvidosa, estranha ao fim social que se destina.
Justifica-se, assim, esse tópico porque as Constituições não costumam trazer regras sobre sua própria interpretação ou para o direito dela derivado, apesar de toda norma jurídica e constitucional precisar ser interpretada.
Maximiliano afirma que a norma jurídica sempre necessita de interpretação. A clareza de um texto legal é coisa relativa. Uma mesma aplicação pode ser clara em sua aplicação aos casos imediatos e pode ser duvidosa quando se aplica a outras relações que nela possam enquadrar e às quais não se refere diretamente, e a outras questões que, na prática, em sua atuação, podem sempre surgir. Uma disposição poderá parecer clara a quem a examinar superficialmente, ao passo que se revelará tal a quem a considerar nos seus fins, nos seus precedentes históricos, nas suas conexões com todos os elementos sociais que agem sobre a vida do direito na sua aplicação a relações que, como produto de novas exigências e condições, não poderiam ser consideradas, ao tempo da formação da lei, na sua conexão com o sistema geral do direito positivo vigente.
Conclui-se, que a interpretação tem caráter concreto, seguindo uma via preestabelecida, em caráter abstrato, pela hermenêutica. Somente dá-se a interpretação com o confronto ao caso concreto a ser analisado e decidido pelo judiciário.
O jurista Bastos ensina que assim como as tintas não dizem onde, como ou em que extensão deverão ser aplicadas na tela, o mesmo ocorre com os enunciados quando enfrenta-se um caso concreto. Por isso, não é possível negar, da mesma forma, o caráter evidentemente artístico da atividade desenvolvida pelo intérprete. A interpretação já tangencia com a própria retórica. Não é ela neutra e fria como o é a hermenêutica. Ela tem de persuadir, de convencer. O Direito está constantemente em busca de reconhecimento. Não se quer que o intérprete coloque sua opinião, mas sim que ele seja capaz de oferecer o conteúdo da norma jurídica de acordo com enunciados ou formas de raciocínio explícitos, previamente traçados e aceitos de maneira mais ou menos geral, advindos de determinada ciência, mas sem necessariamente com isto estar-se fazendo ciência.
Assim é que a finalidade perseguida na interpretação jurídica precisa ser essencialmente cumprida, objetivando o acompanhamento revolucionário do ordenamento jurídico com o desenvolvimento cultural, de modo a afeiçoá-lo às exigências e necessidades sociais.
É o que pretende esse trabalho, concluir ao final que o que emana do artigo 5º. LXIII da Constituição Federal deve estar em consonância com o momento atual. E mais: em nenhum momento foi restringida a aplicação da norma constitucional à uma norma infra-legal.
4. A interpretação constitucional e a desconformidade com a realidade social
A interpretação da norma jurídica em desconformidade com o bem comum, com a evolução cultural, ou ainda, em desacato a própria estrutura de um ordenamento jurídico geram injustiças, desigualdades social ou, no mínimo, situação de desrespeito em relação ao Judiciário. Ela deve, isso sim, ir de encontro ao que o próprio ordenamento lhe fixou.
A lei pode não ser condizente com sua finalidade original, por ter sido elaborada de forma a não garantir o bem comum ou por sua desvirtuada aplicação e interpretação. À medida que a lei se afasta de sua finalidade original, que pode, muitas vezes, não ser a finalidade desejada pelo legislador, ela perde seu compromisso com o bem comum e, naturalmente, deixa de beneficiar a todos para beneficiar alguns. Tal lei, em perdendo sua identidade, não pode continuar a ser lei, devendo ser revogada.
Tanto a criação da lei como a sua aplicação devem visar ao bem comum. Se assim não for, a lei não estará cumprindo a sua finalidade.
Maximiliano afirma que em geral, a função do juiz, quanto aos textos, é dilatar, completar e compreender, porém não alterar, corrigir, substituir. Pode melhorar o dispositivo, graças à interpretação larga e hábil; porém não negar a lei, decidir o contrário do que a mesma estabelece. A jurisprudência desenvolve e aperfeiçoa o Direito porém como que inconscientemente, com o intuito de o compreender e bem aplicar. Não cria, reconhece o que existe, não formula, descobre e revela o preceito em vigor e adaptável à espécie. Examina o Código, perquirindo das circunstâncias culturais e psicológicas em que ele surgiu e se desenvolveu o seu espírito; faz a crítica dos dispositivos em face da ética e das ciências sociais, interpreta a regra com a preocupação de fazer prevalecer a justiça ideal, porém tudo procura achar e resolver a lei, jamais com a intenção descoberta de agir por conta própria, proeter ou contra legem.
Não se pode interpretar uma norma jurídica visando a interesses contrários ao bem comum, sob pena de gerar arbitrariedade e, consequentemente, injustiças. A lei foi elaborada com o objetivo de estabelecer o benefício comum, não se admitindo, em hipótese alguma, interpretação que venha a satisfazer objetivos contrários à realização da justiça, sob pena de ferir a democracia vivificada em nosso país.
Exemplo disso é o caso que ora abordamos neste trabalho, qual seja, a restrição a legitimação do autor da Ação Popular para somente aquele que possua o título eleitoral. O fato de possuir título eleitoral não torna alguém “mais cidadão” do que outro que não tenha referido documento. Aliás, no Brasil, que se intitula Estado Democrático de Direito, é compatível essa restrição?
5. O Estado Democrático de Direito
Esse tema justifica-se, pois quem vive numa sociedade sem consciência de como ela está organizada e do papel que nela representa não é mais do que um autômato, sem inteligência e sem vontade.
No Título I, “Dos Princípios Fundamentais”, artigo 1º. da Constituição, ficou disposto que A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito... O que seria então esse Estado Democrático de Direito?
Seria a idéia de que o povo é órgão do Estado e assim sendo, atua na formação da vontade estatal. É um sistema representativo que surgiu por razões de ordem prática, tendo em vista que o Estado moderno não é mais o Estado-cidade, a polis grega, tem larga base territorial, grande número de indivíduos e atua conforme o princípio da supremacia.
Como bem colocado por Dallari, sendo o Estado Democrático aquele em que o próprio povo governa, é evidente que se coloca o problema de estabelecimento dos meios para que o povo possa externar sua vontade. Esses meios são o referendum, o plebiscito, a iniciativa, o veto popular e o recall.
Essa forma de organização do Estado tem como alguns de seus princípios a supremacia da vontade popular, a preservação da liberdade e a igualdade de direitos.
Para Streck, no Estado Democrático de Direito, a justiça constitucional assume um lugar de destaque (intervencionista, no sentido de – no limite, isto é, na omissão do Poder Executivo e do Poder Legislativo, e par evitar o solapamento da materialidade d Constituição- concretizar os direitos fundamentais sociais).
O constituinte de 1988, como mecanismo de acesso à jurisdição constitucional pelo cidadão, introduziu o mandado de injunção, que é concedido, ou deveria ser, sempre que a falta da norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, conforme disposto no artigo 5º; inciso LXXI.
Ao lado desse importante mecanismo de acesso à jurisdição constitucional, há o controle difuso de constitucionalidade, qualquer cidadão pode suscitar, como questão prejudicial ou como fundamento jurídico no curso de qualquer ação judicial, a discussão acerca da constitucionalidade de uma lei, podendo, via recurso extraordinário, levar a questão ao Supremo Tribunal Federal.
Além disso, há ainda outro instituto de relevância, qual seja, a argüição de descumprimento de preceito fundamental, conforme previsto no artigo 102, §1º, da Constituição, que, viabiliza o acesso direto do cidadão ao Supremo Tribunal Federal.
Há ainda os remédios constitucionais, como o habeas corpus, que é concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, conforme o artigo 5º; LXVIII, da Constituição; o habeas data, quando será concedido para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, ou para retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo, conforme o artigo 5º; LXXII, também da Constituição; o Mandado de Segurança, que será concedido para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, conforme preza o artigo 5º; LXIX, da Constituição Federal.
Por fim, porém não menos importante, foi prevista a Ação Popular, que é um direito do cidadão em propô-la no intuito de anular o ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência, conforme dispõe o artigo 5º; inciso LXXIII, da Constituição Federal.
Portanto, se no Brasil foi adotado o Estado Democrático de Direito, subentende-se que qualquer cidadão estaria legitimado a propor essa última ação que lhe foi diretamente conferida pela Constituição.
Não é o que vem ocorrendo, em flagrante desrespeito ao direito constitucional do cidadão. Diz-se que cidadão e a sua prova faz-se somente mediante a apresentação do título eleitoral. Então, pode-se entender que quem não tem esse documento, não age corretamente com seus deveres políticos, não sendo considerado cidadão. Essa afirmação tem algum sentido no Brasil que vivenciamos hoje, entre tantas desigualdades, com tamanha desigualdade educacional?
Para o solucionamento dessa questão, passa-se a demonstrar para qual finalidade a Ação Popular foi criada e o porquê de sua tamanha importância neste Estado Democrático de Direito.
6. A denominada Ação Popular
A ação popular tem origem no Direito Romano, por meio da actio popularis e suas características àquela época eram semelhantes ao instituto previsto na atual Constituição Federal, pois qualquer pessoa do povo podia dela fazer uso para a defesa de interesses da coletividade.
No Brasil, em 1934 esse instituto foi previsto pela primeira vez na Constituição Federal, sendo abolida em 1937 e só em 1946 houve novamente sua previsão. A Constituição de 1967, apesar de manter o instituto da ação popular, excluiu de sua previsão as sociedades de economia mista e as empresas públicas, por considerar que estas possuíam natureza e estrutura de empresas privadas, trazendo a seguinte redação: qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas.
A Constituição Federal em vigor, em seu artigo 5º; LXIII, preceitua que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé isento de custas judiciais e do ônus de sucumbência.
Houve assim, uma crescente preocupação com o erário, bem como com os mecanismos tendentes a protegê-lo. Esse mecanismo veio através da ação popular, tendo como requisitos, além da condição de cidadão, a presença da ilegalidade ou imoralidade e lesividade do ato impugnado.
Além da previsão constitucional, há ainda previsão pela Lei no. 4.717/65.
Conceitua-a Di Pietro como ação civil pela qual qualquer cidadão pode pleitear a invalidação de atos praticados pela poder público ou entidades de que participe, lesivos ao patrimônio público, ao meio ambiente, à moralidade administrativa ou ao patrimônio histórico e cultural, bem como a condenação por perdas e danos dos responsáveis pela lesão.
Na lição de Meirelles, a Ação Popular é o meio constitucional posto a disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a estes equiparados – ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos.
Para Gomes Júnior, a Ação Popular é demanda de natureza constitucional, por meio da qual se objetiva atacar não só ato comissivo, mas também a omissão administrativa, quando conjugados dois requisitos – ilegalidade e lesividade.
Assim, os requisitos da Ação popular são a qualidade de cidadão no sujeito ativo, a ilegalidade ou imoralidade praticada pelo Poder Público ou entidade de que ele participe e a lesão ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
Tem como finalidade, o indivíduo, enquanto participante da sociedade atuar isoladamente, como fiscalizador dos atos dos governantes e daqueles que recebem sob qualquer justificativa bens ou valores públicos, sendo sua legitimação processual coletiva.
Tutela-se a lesão ao patrimônio público, a moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
Pleiteia-se a invalidação de atos praticados pelo Poder Público, bem como a condenação por perdas e danos dos responsáveis pela lesão.
A competência é a do juízo do local em que foi praticado o ato impugnado, porém deve ser observado o interesse da União e de suas autarquias, que nesse caso passa a ser de competência da Justiça Federal. Se houver mais de um município, dá-se a fixação da competência pela prevenção. Porém, se o conflito é entre a União e o Estado, a competência será do Supremo Tribunal Federal.
A demanda deve ser ajuizada contra todo e qualquer beneficiário, sendo de litisconsórcio necessário. Assim, serão as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, de que emanou o ato, o que abrange as entidades de que o Poder Público participe, as autoridades, funcionários ou administradores, que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão e os beneficiários diretos, se houver. A pessoa jurídica pode contestar, abster-se ou atuar ao lado do autor, desde que se afigure útil ao interesse público.
E por ser de interesse público, já se entende que, pode haver mudança de posicionamento do ente público que haja contestado o pedido da Ação Popular e passe a atuar no pólo ativo da demanda, pois tal fato em nada alteraria a solução a que se chegou, mesmo porque sempre, na hipótese de procedência, o ente público é o beneficiário e nesta situação tanto faz figurar ele como co-autor ou co-réu na Ação Popular.
A natureza da decisão será desconstitutiva – condenatória, visando tanto a anulação do ato impugnado quanto a condenação dos responsáveis e beneficiários em perdas e danos. Assim, caso a ação seja julgada procedente, terá ela caráter erga omnes. Já, se improcedente, se fundada em insuficiência de provas, haverá a possibilidade de ajuizamento de nova Ação Popular com o mesmo objeto e fundamento por prevalecer o interesse público de defesa da legalidade e da moralidade administrativa, em busca da verdade real. Se a ação for infundada, a sentença produzirá efeitos de coisa julgada erga omnes.
Em ambas as hipóteses, ficará o autor, salvo comprovada a má-fé, isento de custas judiciais e do ônus de sucumbência, para o fim de evitar objetivos políticos-partidários de desmoralização dos adversários políticos, levianamente.
Em síntese, esse é o modelo de Ação Popular que temos no país atualmente, infelizmente pouco utilizado.
A qualidade de cidadão, ou seja, da legitimação ativa na Ação Popular, é muito debatida na doutrina, pois preceitua o §3º; do artigo 1º. da Lei 4717/65, que para propor a Ação Popular, o cidadão precisa comprovar esta condição apresentando o título de eleitor, provando assim estar no gozo dos seus direitos políticos. Porém, será que é correto tal requisito? Restringir, nos dias de hoje, a atuação do cidadão é legal? Na verdade, a indagação que se faz para se chegar a uma resposta concreta é a de que: somente é cidadão quem possui título eleitoral?
7. Participação cidadã: A problemática prova da cidadania frente a Ação Popular
Quanto à indagação feita anteriormente, Gomes Junior acertadamente afirma que: ora o fato de possuir título eleitoral não torna alguém “mais cidadão” do que outro que não tenha referido documento.
Ora, nossa sociedade, com tamanha desigualdade, falta de informação e punição não pode ser restringida de um de seus maiores direitos constitucionalmente previstos: ser cidadão.
Tanto é assim que Teresa Arruda Alvim Wambier afirmou que, veja-se a lição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo: ‘Entendemos o conceito de cidadão exatamente dentro da concepção dos mestres de Coimbra, ou seja, o cidadão em nossa Carta Magna é a pessoa humana no gozo pleno de seus direitos constitucionais e não única e exclusivamente ‘nacional no gozo de seus direitos políticos’. O cidadão brasileiro, portanto, possui igual dignidade social independentemente da sua inserção econômica, social, cultural e obviamente política (...).
Muito bem colocado por Lehfeld, a cidadania, portanto, transpassa aquela concepção do simples exercício dos direitos políticos. Isso se deve em virtude da complexidade dos problemas sociais, bem como da ineficaz participação popular no processo político, reduzida na efetivação do voto (exercício mitigado da soberania popular), já que outras modalidades de participação direta revelam-se, ora como meras expectativas submetidas ao deleite do Parlamento (como o plebiscito e o referendum), ora como instrumentos inexecutáveis de pressupostos exigidos legalmente deveras rigorosos, muitas vezes, divorciados da realidade. Cabe ressaltar, neste caso, a título de exemplificação, a dificuldade de se propor, pó iniciativa popular, um projeto de lei nos termos do artigo 14, III, da Constituição Federal.
O citado autor afirma ainda que exercer a cidadania é não estar submetido a amarras quando da participação no processo político; não encontrar óbices quando a Autoridade Pública exigir a efetiva distribuição da justiça social. Na verdade, a liberdade é o principal motivo pelo qual os homens se encontram politicamente organizados. Uma vez tolhido esse campo de liberdade por um ato arbitrário, de cunho administrativo ou normativo, é facultada ao cidadão a resistência, no intuito de restabelecer os limites constitucionalmente previstos ao Poder Público.
Sabe-se que para que o cidadão possa exercer seu direito de participação na gestação da res publica, é necessário que tenha informações suficientes tendentes a orientá-lo na manifestação de seu pensamento e na dedução de sua vontade, o que infelizmente não ocorre em nosso país.
Porém, com todas essas manifestações, ainda existem vozes em contrário, tendentes a restringir a participação-cidadã apenas com a juntada do título de eleitor.
É o caso do constitucionalista Alexandre de Moraes, que afirma que somente o cidadão, seja o brasileiro nato ou naturalizado, inclusive aquele entre 16 e 21 anos, e ainda, o português equiparado, no gozo de seus direitos políticos, possuem legitimação constitucional para a propositura da ação popular. A comprovação da legitimidade será feita com a juntada do título de eleitor (brasileiros) ou do certificado de equiparação e gozo dos direitos civis e políticos e título de eleitor (português equiparado).
Seguindo essa doutrina, Di Pietro, afirma que cidadão é o brasileiro, nato ou naturalizado, que está no gozo dos direitos políticos, ou seja, dos direitos de votar e ser votado.
Meirelles Teixeira defende que na perspectiva de um novo paradgma para a cidadania, conceitua-a a prerrogativa que se concede a brasileiros, mediante preenchimento de certos requisitos legais, de poderem exercer direitos políticos e cumprirem deveres cívicos.
Hannah Arendt, no mesmo sentido, afirma que do conceito clássico – a qualidade de participação na organização do Estado, quer como eleitor, quer como eleito – o jus civitatis e o jus activae civitatis, na clássica distinção de Jellinek – representam um bem inestimável, mas hoje em dia, esse aspecto cívico do ser humano não nos faz esquecer a imperiosa defesa dos direitos vinculados à sua condição existencial e participativa, abrindo um leque de salvaguardas individuais não previstas na concepção do Estado de Direito de feito clássico.
Em uma de suas últimas obras, Gomes Júnior já afirmava que não é só o eleitor, é qualquer integrante da população brasileira. E firmando-se nesse sentido, aprimorou sua doutrina, como acima exposto.
Dinamarco ensina que visando o cidadão a anulação de um ato através da Ação Popular, atua como membro ativo da sociedade, evidenciando uma preocupação com a utilização da res publica, sendo importante a ampliação de meios de participação deste autor garantindo-lhe o direito de ação. Atualmente, essa última posição tem prevalecido, inclusive com julgado do Supremo Tribunal Federal.
8. Conclusão
Atualmente, sendo a existência do ordenamento jurídico uma constante em toda sociedade, deverá sempre e necessariamente, sujeitar-se a regras de interpretação jurídica visando conferir a aplicabilidade da norma legal às relações sociais que lhe deram origem, estendendo o sentido da norma às relações novas, inéditas ao tempo de sua criação, e temperar o alcance do preceito normativo, para fazê-lo corresponder às necessidades reais e atuais de caráter social.
Em evidência está o fenômeno da globalização, caracterizado pela intensa circulação de pessoas, bens, capitais e tecnologia através das fronteiras, influenciando padrões culturais e trazendo, como conseqüências, problemas diversos em todos os âmbitos. Note-se, aliás, o agravamento de problemas tais como a pobreza e a fome generalizadas, que afligem o país.
Assim, com uma população carente de saber, conhecer, esta-se diante de uma criação de uma cultura da qual ninguém é punido, ou, se é e tem dinheiro, a condenação queda-se no papel.
Por estarmos frente a um Estado Democrático de Direito que é aquele em que o próprio povo governa, é evidente que se coloca o problema de estabelecimento dos meios para que o povo possa externar sua vontade. E sendo feito isso, como já demonstrado no presente trabalho, em tópico correspondente, não pode vir uma norma infra-legal e tentar suprimir um direito que é de toda sociedade.
É necessário interpretar a lei evitando, sempre que possível, sua rigidez natural e o positivismo, sem, no entanto, ir contra ao que nela foi estabelecido, tendo em vista a assegurar o bem comum e atenuar as injustiças sociais, evitando, assim, decisões arbitrárias e sem sentido, que além de desprestigiar o judiciário, vão contra a natureza do objetivo da lei, qual seja, o prestígio e amparo do bem comum.
Aliás, a Ação Popular, como demonstrado no presente trabalho, é a única que pode ser utilizada por qualquer cidadão na busca de tutelar e incentivar a defesa de bens pertencentes à coletividade.
É o que afirma Gomes Júnior, posto que é uma forma do indivíduo, enquanto participante da sociedade, atuar isoladamente, como fiscalizador dos atos dos governantes e daqueles que recebem, sob qualquer justificativa, dinheiro, bens ou valores públicos.
9. Bibliografia
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