22/07/2008 17:31:32
Notícia - PARTICIPAÇÃO CIDADÃ NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO.

 

Quem vive numa sociedade sem consciência de como ela está organizada e do papel que nela representa não é mais do que um autômato, sem inteligência e sem vontade[1].

No Título I, “Dos Princípios Fundamentais”, artigo 1º. da Constituição, ficou disposto que A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito... O que seria então esse Estado Democrático de Direito?

Seria a idéia de que o povo é órgão do Estado e assim sendo, atua na formação da vontade estatal. É um sistema representativo que surgiu por razões de ordem prática, tendo em vista que o Estado moderno não é mais o Estado-cidade, a polis grega, tendo larga base territorial, grande número de indivíduos e atua conforme o princípio da supremacia[2].

Essa forma de organização do Estado tem como alguns de seus princípios a supremacia da vontade popular, a preservação da liberdade e a igualdade de direitos.

A Ação Popular, neste contexto, é um direito do cidadão no intuito de anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

Portanto, se no Brasil foi adotado o Estado Democrático de Direito, subentende-se que qualquer cidadão estaria legitimado a propor esta ação.

A Constituição Federal em vigor, em seu artigo 5º; LXIII preceitua que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé isento de custas judiciais e do ônus de sucumbência.

O parágrafo 3º; do artigo 1º. da Lei 4717/65, dispõe que para propor a Ação Popular, o cidadão precisa comprovar sua legitimidade apresentando o título de eleitor, provando assim estar no gozo dos seus direitos políticos. Porém, será que é correto tal requisito? Somente é cidadão quem possui título eleitoral?

Gomes Junior[3] acertadamente afirma que: ora o fato de possuir título eleitoral não torna alguém “mais cidadão” do que outro que não tenha referido documento.

Nossa sociedade, com tamanha desigualdade, falta de informação e punição não pode ser restringida de um de seus maiores direitos constitucionalmente previstos: ser cidadão.

Tanto é assim que Teresa Arruda Alvim Wambier[4] afirmou que, veja-se a lição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo: ‘Entendemos o conceito de cidadão exatamente dentro da concepção dos mestres de Coimbra, ou seja, o cidadão em nossa Carta Magna é a pessoa humana no gozo pleno de seus direitos constitucionais e não única e exclusivamente ‘nacional no gozo de seus direitos políticos’. O cidadão brasileiro, portanto, possui igual dignidade social independentemente da sua inserção econômica, social, cultural e obviamente política (...).

Porém, com todas essas manifestações, ainda existem vozes em contrário, tendentes a restringir a participação-cidadã apenas com a juntada do título de eleitor. É o caso do constitucionalista Alexandre de Moraes[5], da administrativista, Di Pietro[6], de Meirelles Teixeira[7] e de Hannah Arendt[8].

Em uma de suas últimas obras, Gomes Júnior[9] já afirmava que não é só o eleitor, é qualquer integrante da população brasileira. Dinamarco[10] e o Supremo Tribunal Federal[11] têm entendido neste sentido, seguindo o raciocínio do artigo de nossa autoria já publicado sobre o título “A participação cidadã frente à jurisdição constitucional brasileira”.

Por estarmos frente a um Estado Democrático de Direito que é aquele em que o próprio povo governa, é evidente que se coloca o problema de estabelecimento dos meios para que o povo possa externar sua vontade. E sendo feito isso, não pode vir uma norma infra-legal e tentar suprimir um direito que é de toda sociedade.

Aliás, a Ação Popular, é a única que pode ser utilizada por qualquer cidadão na busca de tutelar e incentivar a defesa de bens pertencentes a coletividade.



[1] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 24ª. edição. São Paulo, 2003. p. 1.

[2] ROLAND, Débora da Silva. Hermenêutica, cidadania e Direito. São Paulo: Millennium Editora, 2005. p. 204.

[3] GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. Coordenação: Ada Pellegrini Grinover, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Kazuo Watanabe. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 380.

[4] Controle das decisões judiciais por meio de recurso de estrito direito e da ação rescisória – Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma decisão contrária a lei? São Paulo: RT, 2001. p. 91, nota 159.

[5] Direito Constitucional. Op. Cit. p. 193 - ...somente o cidadão, seja o brasileiro nato ou naturalizado, inclusive aquele entre 16 e 21 anos, e ainda, o português equiparado, no gozo de seus direitos políticos, possuem legitimação constitucional para a propositura da ação popular. A comprovação da legitimidade será feita com a juntada do título de eleitor (brasileiros) ou do certificado de equiparação e gozo dos direitos civis e políticos e título de eleitor (português equiparado).

[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo..Op. cit. p. 680 - cidadão é o brasileiro, nato ou naturalizado, que está no gozo dos direitos políticos, ou seja, dos direitos de votar e ser votado.

[7] MEIRELLES TEIXEIRA, J. H. Curso de direito constitucional. São Paulo: Forense Universitária, 1991. p. 565 - na perspectiva de um novo paradgma para a cidadania, conceitua-a a prerrogativa que se concede a brasileiros, mediante preenchimento de certos requisitos legais, de poderem exercer direitos políticos e cumprirem deveres cívicos.

[8] ARENDT, Hanna. Entre o passado e o futuro.São Paulo: Perspectiva, 1979. p. 142 - do conceito clássico – a qualidade de participação na organização do Estado, quer como eleitor, quer como eleito – o jus civitatis e o jus activae civitatis, na clássica distinção de Jellinek – representam um bem inestimável, mas hoje em dia, esse aspecto cívico do ser humano não nos faz esquecer a imperiosa defesa dos direitos vinculados à sua condição existencial e participativa, abrindo um leque de salvaguardas individuais não previstas na concepção do Estado de Direito de feito clássico.

 

[9] GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Civil Coletivo. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 09.

[10] DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 424/425 - visando o cidadão a anulação de um ato através da Ação Popular, atua como membro ativo da sociedade, evidenciando uma preocupação com a utilização da res publica, sendo importante a ampliação de meios de participação deste autor garantindo-lhe o direito de ação. Atualmente, essa última posição tem prevalecido, inclusive com julgado do Supremo Tribunal Federal.

[11] STFPET 2.131-2, rel. Min. Celso de Mello, j. 13.10.2000, DJU 20.10.2000. A título informativo, esse julgado concluiu que “hoje, no entanto, registra-se sensível evolução no magistério da doutrina, que agora, identifica o autor popular como aquele que, ao exercer uma prerrogativa de caráter cívico-político, busca proteger, em nome próprio, um direito que, fundado em sua condição de cidadão, também lhe é próprio”.

 

voltar